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feito por quem está vivo

"A UM AMIGO", POR N.P.
Amigo, consegue ver, quando abandona suas poucas certezas, mesmo aquelas que sustentam seu implacável ceticismo, todos os nós quase cegos formados pelas linhas de símbolos deixados como rastros por todos os cantos pelos quais nos aventuramos juntos? Vê como ainda temos um carretel imenso, que engorda a cada encontro, ainda completamente saudável, para continuarmos a amarrar o nosso quadro?
Não foi preciso muito tempo para chegarmos às fraquezas um do outro e, a partir disso, criarmos aquela calma de quem anda por terreno conhecido, mas esburacado e cheio de pregos com pontas pra cima. Logo, fica fácil ver em teus olhos quando finges: nas nossas empreitadas pelos obscuros cantos da cidade, onde gente provinda do lugar de onde viemos não arrisca os calcanhares, com o objetivo de manter de pé nossos disfarces, como um trio de larápios velhos e bem treinados.
E se agora levanta cabisbaixo, o suficiente para não lhe permitir arriscar o bastante conosco, que faço eu frente à sua inigualável teimosura? Acuso-te. Mas me perdoe o desprezível ato. Às vezes, é impossível não flertar com o pior papel que já criamos, o de acusador. Porém, existem, sempre existiram exceções, e aqui está uma delas, creio necessária: talvez desistir do fardo é abdicar da incerteza, meu amigo, como vestir um elmo completamente mal moldado à imensa cabeça que possuis. Se voltamos ao seu conhecido Paradoxo da Hipocrisia, peço que o deixe de lado por um momento e fique com os nós, as linhas e mijadas fedorentas que deixamos por aí.
Nosso trio, ora parecido com os ladrões da ilha de Catan ora com os três patetas ainda há de muito perambular.
Assim, estendo a mão a ti, esperando a permissão de aparecer como algum conforto, não importa se semelhante a um sofá mofado e esquecido numa curva seca de rio, para que possamos continuar pintando nossas linhas. Mas, com a sinceridade que me resta, lhe digo: seria infinitamente mais inspirador que apenas jogasse tais certezas, como o faz com as bitucas enquanto dirige, pela janela e levantasse sozinho. Preferiria assim.
Ia saber que o melhor general do século XXI sobreviveu e venceu mais uma difícil batalha usando somente birra bem direcionada.
(06/09/2014)
____________
N.P.
Não foi preciso muito tempo para chegarmos às fraquezas um do outro e, a partir disso, criarmos aquela calma de quem anda por terreno conhecido, mas esburacado e cheio de pregos com pontas pra cima. Logo, fica fácil ver em teus olhos quando finges: nas nossas empreitadas pelos obscuros cantos da cidade, onde gente provinda do lugar de onde viemos não arrisca os calcanhares, com o objetivo de manter de pé nossos disfarces, como um trio de larápios velhos e bem treinados.
E se agora levanta cabisbaixo, o suficiente para não lhe permitir arriscar o bastante conosco, que faço eu frente à sua inigualável teimosura? Acuso-te. Mas me perdoe o desprezível ato. Às vezes, é impossível não flertar com o pior papel que já criamos, o de acusador. Porém, existem, sempre existiram exceções, e aqui está uma delas, creio necessária: talvez desistir do fardo é abdicar da incerteza, meu amigo, como vestir um elmo completamente mal moldado à imensa cabeça que possuis. Se voltamos ao seu conhecido Paradoxo da Hipocrisia, peço que o deixe de lado por um momento e fique com os nós, as linhas e mijadas fedorentas que deixamos por aí.
Nosso trio, ora parecido com os ladrões da ilha de Catan ora com os três patetas ainda há de muito perambular.
Assim, estendo a mão a ti, esperando a permissão de aparecer como algum conforto, não importa se semelhante a um sofá mofado e esquecido numa curva seca de rio, para que possamos continuar pintando nossas linhas. Mas, com a sinceridade que me resta, lhe digo: seria infinitamente mais inspirador que apenas jogasse tais certezas, como o faz com as bitucas enquanto dirige, pela janela e levantasse sozinho. Preferiria assim.
Ia saber que o melhor general do século XXI sobreviveu e venceu mais uma difícil batalha usando somente birra bem direcionada.
(06/09/2014)
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N.P.

"DEVIR HIENA", POR MADRUGA
Sou uma hiena. A madrugada é o momento certo para assumir isso, sou uma hiena e sou irrecuperável. Rio, enquanto mastigo ossos, e tudo onde meus olhos alcançam é meu território. Sou uma hiena, com o focinho sujo de sangue e o olhar indomável.
O devir hiena é o processo de metamorfose para um hedonismo que vai além do hedonismo, algo ainda impensado. Tudo em mim é fogo e pressa. Fizeram-me homem apenas por equívoco, sou algo entre o étérico e o divino, um ser além da moral, um filho de Dionísio. Tenho sede e fome, bebo tudo o que é vital, me alimento de tudo que é alegre. Entre chagas e poros, atrito e contato, tudo o que é enérgico me dá vitalidade. Não me sinto cabendo nesse mundo, meu espírito quer correr livre pela terra. Tudo que é controle, tudo que é corrente, tudo que é negação, tudo que é prisão, tudo que é fechado é um inimigo da hiena. O devir hiena é processo de liberação, de desentupimento, de cisão, fragmentação, fluidez. O devir hiena é movimento, é fogo, é energia, é ciclo.
"Devir" justamente, pois ainda não é, nem sabemos o que será. O devir é o processo, a pura energia da explosão, nenhum segundo após ou antes, apenas o processo, um mar de potencialidade, uma criação ativa e passiva, um correr para si mesmo.
O devir hiena no amor é a pura expressão do desejo, a hiena diz apenas "quero-te" quando algo a agrada, sem pensar nas consequências, sem esperar nada em troca. No amor, a hiena é um atentado contra nossa cultura que prega um amor capitalista, um amor onde cada atitude espera uma reação proporcional, um mercado de troca de afetos... A hiena se atira do penhasco, mas também não se mantém presa a nada que a cative, entregando tudo sem se entregar de bandeja, atirando flechas pelo simples prazer de vê-las voar, e se o alvo for acertado, ainda melhor. A hiena ama em exagero, quer em exagero, e, se não houver um movimento contrário, a hiena se basta com seu desejo. Sofre, rói ou engasga, mas nunca se negando a sentir. O alimento principal da hiena é o sentir, é dele e por ele que ela ganha ou perde a potência do agir.
A hiena é aquela que mastiga os nomes. "Amor", "amizade", "companheirismo" ou o que quer que seja, a hiena tritura. Para ela, existem apenas afetos, apenas o resultado dos choques entre os seres, nada devendo ser rotulado.
O devir hiena é sobretudo uma ferramenta de guerra contra a moralidade castrante e limitadora, que é a moral das massas e do Estado. A hiena segue apenas a sua ética local, um código homogêneo que é fundado apenas nos afetos e nas relações de confiança. A hiena ri, ela faz pouco de tudo que é sagrado para o homem comum. "Família", "deus", "hierarquia", "leis" são apenas nomes antigos e empoeirados. A hiena só conhece seu bando, eis sua família. A hiena só conhece a vida como Deus que merece honras, a hiena só segue as leis da sua vontade e do respeito mútuo à natureza da qual ela faz parte.
O devir hiena é sobretudo um chamado! Não há dono desse conceito, estão todos convidados a adotar o devir hiena, utilizá-lo, reinventá-lo e também descartá-lo caso não seja mais necessário.
Venham, vamos dançar a vida, com pressa, com fogo e, sobretudo, com risos!
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Madruga
O devir hiena é o processo de metamorfose para um hedonismo que vai além do hedonismo, algo ainda impensado. Tudo em mim é fogo e pressa. Fizeram-me homem apenas por equívoco, sou algo entre o étérico e o divino, um ser além da moral, um filho de Dionísio. Tenho sede e fome, bebo tudo o que é vital, me alimento de tudo que é alegre. Entre chagas e poros, atrito e contato, tudo o que é enérgico me dá vitalidade. Não me sinto cabendo nesse mundo, meu espírito quer correr livre pela terra. Tudo que é controle, tudo que é corrente, tudo que é negação, tudo que é prisão, tudo que é fechado é um inimigo da hiena. O devir hiena é processo de liberação, de desentupimento, de cisão, fragmentação, fluidez. O devir hiena é movimento, é fogo, é energia, é ciclo.
"Devir" justamente, pois ainda não é, nem sabemos o que será. O devir é o processo, a pura energia da explosão, nenhum segundo após ou antes, apenas o processo, um mar de potencialidade, uma criação ativa e passiva, um correr para si mesmo.
O devir hiena no amor é a pura expressão do desejo, a hiena diz apenas "quero-te" quando algo a agrada, sem pensar nas consequências, sem esperar nada em troca. No amor, a hiena é um atentado contra nossa cultura que prega um amor capitalista, um amor onde cada atitude espera uma reação proporcional, um mercado de troca de afetos... A hiena se atira do penhasco, mas também não se mantém presa a nada que a cative, entregando tudo sem se entregar de bandeja, atirando flechas pelo simples prazer de vê-las voar, e se o alvo for acertado, ainda melhor. A hiena ama em exagero, quer em exagero, e, se não houver um movimento contrário, a hiena se basta com seu desejo. Sofre, rói ou engasga, mas nunca se negando a sentir. O alimento principal da hiena é o sentir, é dele e por ele que ela ganha ou perde a potência do agir.
A hiena é aquela que mastiga os nomes. "Amor", "amizade", "companheirismo" ou o que quer que seja, a hiena tritura. Para ela, existem apenas afetos, apenas o resultado dos choques entre os seres, nada devendo ser rotulado.
O devir hiena é sobretudo uma ferramenta de guerra contra a moralidade castrante e limitadora, que é a moral das massas e do Estado. A hiena segue apenas a sua ética local, um código homogêneo que é fundado apenas nos afetos e nas relações de confiança. A hiena ri, ela faz pouco de tudo que é sagrado para o homem comum. "Família", "deus", "hierarquia", "leis" são apenas nomes antigos e empoeirados. A hiena só conhece seu bando, eis sua família. A hiena só conhece a vida como Deus que merece honras, a hiena só segue as leis da sua vontade e do respeito mútuo à natureza da qual ela faz parte.
O devir hiena é sobretudo um chamado! Não há dono desse conceito, estão todos convidados a adotar o devir hiena, utilizá-lo, reinventá-lo e também descartá-lo caso não seja mais necessário.
Venham, vamos dançar a vida, com pressa, com fogo e, sobretudo, com risos!
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Madruga
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